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  • Foto do escritorEduardo Machado Homem

Ter alguém lhe esperando quando a conclusão da tarefa é o que importa.

Há algum tempo, venho refletindo bastante sobre a abordagem que conecta o compromisso do colaborador com a segurança ao fato dele ter pessoas lhe esperando em casa, no retorno do trabalho.

O que se pretende reforçar com essa abordagem é que existem pessoas que amam o colaborador e que sentirão sua falta ou se entristecerão terrivelmente no caso de um acidente de trabalho grave ou fatal, afinal, isso envolve uma série de efeitos negativos que transcendem o ambiente de trabalho e contaminam todo e qualquer relacionamento afetivo próximo ou com a sociedade.

Eu acredito nisso e já senti a dor de receber a notícia de um acidente grave com um familiar, portanto sei que é algo que toca profundamente qualquer pessoa minimamente sensível ao infortúnio alheio. A questão que me importa é o quão moralmente lícito pode ser usar essa abordagem para desenvolver o compromisso dos colaboradores com a segurança do trabalho.

Corporações têm o costume de se apropriar daquilo que não lhes pertence para vender como se fosse um diferencial, tanto para consumidores quanto para colaboradores. Para o tema qualidade, esse já é um assunto ultrapassado, ou seja, qualidade não é mais um diferencial, mas o mínimo a ser entregue se a empresa deseja se manter atuante em um mercado altamente competitivo. Para segurança do trabalho, meio ambiente, sustentabilidade ou ESG essa maturidade ainda está longe de ser alcançada, afinal, ainda vendem o compromisso com esses temas como um diferencial.

Manter um ambiente de trabalho saudável ou cuidar do meio ambiente não podem ser diferenciais ou argumentos de engajamento. É o mínimo desejável para qualquer empresa que deseja ser levada à sério. Do contrário, corre-se o risco de passar o vexame de tentar vender um sanduíche de picanha, sem picanha.

A integridade física e mental do trabalhador é um bem imaterial que já lhe pertence e que sua família deve ter como certo dentro de um espectro razoável de previsibilidade, isto é, não é possível garantir que tudo ocorrerá bem, mas precisamos viver com um mínimo de previsibilidade sobre nossa saúde mental e física. E isso é algo que pertence ao colaborador antes de ele ir para o trabalho.

Não vejo com bons olhos quando uma organização se apropria da integridade física e mental do colaborador e sugere que lhe devolverá esse bem imaterial somente se ele fizer o que tem que ser feito, respeitar regras, seguir procedimentos etc.

Quando a abordagem sobre segurança do trabalho sugere que o colaborador deve prevenir acidentes, usar epis, manter epcs ativos e usar controles de risco porque há pessoas lhe esperando em casa, algumas perguntas me surgem na mente.

A primeira pergunta é: a organização está sugerindo que já fez tudo o que podia em termos de gestão, infraestrutura e pessoas para alavancar a gestão de segurança e o último elo de cuidado é o indivíduo?

A segunda pergunta é: a organização está dizendo que não fará ou não sabe o que fazer e que a segurança do trabalhador depende dele (e da família dele)?

Uma vez eu acompanhei um gestor na realização de uma abordagem comportamental. O colaborador estava realizando uma atividade de caldeiraria sem luvas e durante a abordagem o gestor questionou quem o estava esperando em casa. A intenção do gestor era usar o laço afetivo do colaborador com seus filhos para pedir que respeitasse a regra de ouro sobre EPIs.

A resposta do colaborador foi mais ou menos a seguinte: faço a tarefa sem as luvas porque com elas eu não conseguiria concluir a atividade e eu tenho que terminar a atividade antes do almoço por causa das pessoas que estão me esperando em casa.

Nesse caso, a inteligência do colaborador extrapolou a capacidade de compreensão do gestor que não entendeu que, numa cultura de segurança imatura, o emprego está conectado com a conclusão da tarefa e não com a segurança da tarefa.

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