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  • Foto do escritorEduardo Machado Homem

Acidente ZERO: é tão ruim assim ou precisamos de um marketing melhor?

Eu não sei se movido por alguma característica pessoal ou se pela formação dentro da área de engenharia ou se pelos livros que eu leio, sempre me pergunto as razões de estar fazendo o que eu estou fazendo. Seja sobre meu trabalho, sobre meus hábitos de alimentação, o hábito de praticar exercícios, sobre a rotina de criar filhos, enfim, sempre tento entender meus porquês.

Eu acredito que tentar entender as escolhas que nós fazemos para compreender como elas nos levaram até o momento em que nos encontramos é uma excelente forma de buscar o autoconhecimento.

Em 2001, meu pai sofreu um acidente de trabalho. Ele caiu de uma altura de 6 metros de altura, não estava usando nenhum EPI e não tinha qualquer tipo de permissão de trabalho em mãos. Neste ponto você já deve estar se perguntando coisas relacionadas ao comportamento inseguro, à liderança que permitiu que algo assim acontecesse e à empresa que não oferecia os recursos necessário para uma atividade de risco.

O contexto é o seguinte: meu pai, um engenheiro de telecomunicações, estava caminhando em um escritório administrativo, sob um piso de mármore, ou seja, não se tratava de trabalho em altura ou qualquer atividade que exigisse o uso de um EPI. Ele inspecionava uma nova instalação de centrais telefônicas ultramodernas para a época e esses novos equipamentos demandavam menos emaranhados de fios. Em função disso, uma série de passagens de fios entre os andares foram inutilizadas, algumas foram devidamente cobertas e outras foram tampadas com madeirite. Meu pai pisou sobre um madeirite desses, a chapa se quebrou e ele caiu de um andar para o outro, uma altura de 6 metros.

Neste momento, Deus deve ter dito: Juarez (meu pai), hoje não, pois você ainda será bisavô.

Vou poupar a audiência dos detalhes sobre cirurgias, fisioterapias, tratamentos médicos, disputas com a empresa sobre responsabilidades jurídicas e consequências motoras. O que importa aqui e agora é a influência que este evento pode ou não ter tido nas minhas escolhas sobre a minha trajetória profissional. Não nego que tenha tido, mas também não consigo depositar toda a responsabilidade neste acidente.

Nós nunca tivemos acesso a nenhum tipo de investigação de acidente de trabalho, identificação de causas etc. Na realidade, nem sei se isso foi feito. Tudo o que me lembro são dos momentos difíceis dentro de casa, após o acidente. Portanto, sob a minha ótica de profissional de segurança, de pai e de filho, a minha atuação tem um único objetivo: prevenir que pessoas se machuquem. Em números isso significa “dias sem acidentes”. Esse é o meu objetivo pessoal dentro da segurança, é o que me move.

Eu entendo e concordo que placas de dias sem acidente e metas de acidente zero são terríveis e contraproducentes quando se trata de desenvolver uma gestão de segurança robusta, concreta e digna. Mas eu sei, também, que o que importa no final do dia é que ninguém se machuque e todos voltem para casa, ou seja, o acidente zero.

É importantíssimo pensar estrategicamente e focar em BBS, HOP, S2, Fatores Humanos e Gestão, mas isso é para o futuro. O que você pode fazer para evitar o acidente agora?

Sobre a fome, Betinho costumava dizer que não importava de onde vinha a ajuda, o que importava era que a fome existe no presente e ela precisa ser saciada agora. Betinho entendia perfeitamente as causas sistêmicas, políticas, sociais e econômicas da fome, mas também se colocava no lugar de quem tinha fome e entendia que a fome existe no presente. E a escolha que ele fazia era sensibilizar a sociedade através da sua ajuda assistencial por saciar a fome no presente. Por que sensibilizar? Para influenciar a sociedade, políticos, líderes e governantes para a importância de resolver sistemicamente e efetivamente o problema da fome.

Todo essa volta para dizer o quê?

Acho muito difícil que a área de segurança do trabalho e de cuidado com as pessoas ocupe uma posição de destaque e tenha a importância de uma área intrínseca ao negócio sem que a sociedade e os consumidores finais percebam o valor de comprar produtos e serviços de empresas que não machucam seus colaboradores na sua atividade operacional.

Recentemente, fiz pesquisas para trocar de carro e fiquei entre uma montadora alemã e uma japonesa. Comparei tecnologia, motor, conforto e muitas outras coisas. No final, os critérios de desempate foram consumo de combustível, emissão de carbono na produção do carro, reclamação de consumidores sobre acabamento e relacionamento com as concessionárias (vide website ReclameAqui). Em nenhum momento me perguntei sobre número de acidentes das montadoras. Apesar de não ser um dado de fácil acesso, a consulta ao relatório de sustentabilidade poderia ter ajudado. Numa consulta posterior à compra do carro, constatei que no quesito segurança, eu também acertei na escolha.

Se eu, que sou um profissional de segurança, não consultei dados de acidentes de trabalho para influenciar uma compra, quem consultaria?

Empresas, hoje em dia, reverberam suas metas de aterro zero e emissão de carbono zero. Outras se orgulham muito de não usarem animais na etapa de desenvolvimento de cosméticos. Tudo isso é muito válido e desejado, afinal foi uma preocupação gerada nos consumidores a partir de problemas reais relacionados à forma como nos relacionamos com o meio ambiente.

Aterro zero. Emissão de carbono zero. Zero porcento de cosméticos testados em animais. A sociedade aplaude e eu aplaudo essas iniciativas.

Não vejo profissionais de meio ambiente ou de qualidade questionando esses “Zeros”, dizendo que estas metas “Zero” causarão constrangimento ou problemas na comunicação de desvios nas respectivas demandas de destinação de resíduo, emissão de carbono ou de uso de animais em testes. Ou ainda, que estas metas "Zero" sejam um indicador de imaturidade na gestão ambiental. Enfim, é algo desejado e perseguido estrategicamente, taticamente e operacionalmente pelas organizações.

Eu acredito que a razão disso é que os profissionais de meio ambiente e de qualidade entenderam o poder e a utilidade do marketing no amadurecimento dos seus processos e da gestão organizacional.

Enquanto isso, nós, os profissionais de segurança, continuamos questionando o acidente zero e as mesmas placas na frente das empresas. Será que estamos direcionando nossos esforços e nossa atenção para o lugar errado? Não deveríamos nos aliar à turma do marketing/comercial para transformar o acidente zero em um apelo como o aterro zero ou emissão de carbono zero ou testes em animais zero?

Por favor, entenda que meu questionamento não significa que eu não acredite na gestão, na cultura, no comportamento, no HOP, S2 ou fatores humanos. Acredito muito e dedico as atividades da Do Safety a essas filosofias e estratégias.

O ponto central deste texto é a reflexão sobre porquê fazemos o que fazemos em segurança e entender que o consumidor final não compra “acidente zero”. Por enquanto.

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