Se há uma meta com a qual todos os membros de uma organização devem se comprometer, acima de tudo, é com zero fatalidade e zero acidente grave.
Você pode questionar o mantra do “acidente zero”, mas não pode colocar em dúvida “zero fatalidade”. Há argumentos técnicos, empíricos e científicos que mostram que o “acidente zero” é mais sobre pessoas do que sobre números. Afinal, não podemos aceitar que as pessoas se machuquem.
Por que acidente zero é importante?
Você não quer que seu filho ou filha se machuque, mas ele cairá da bicicleta, tropeçará ou ralará o joelho no chão de cimento. Não há como evitar todo e qualquer acidente. Por outro lado, como pai ou mãe, você se compromete com a própria vida para garantir a vida de seu filho ou filha. Você se coloca em risco para evitar um acidente grave com seu filho ou filha.
Numa empresa tem que ser igual. Com “fatalidade zero” e “acidente grave zero”, todos devem se comprometer. Não é razoável que uma empresa se autodenomine uma referência em segurança quando pessoas morrem para que ela gere seus lucros e dividendos. Isso não é aceitável.
O objetivo mais nobre dentro de uma organização: zero fatalidade.
Se deseja ter um objetivo único durante e após essa crise, sugiro que assuma para si duas ações como gestor:
1. Convencer toda a sua equipe do discurso sobre “fatalidade zero” e “acidente grave zero”;
2. Implementar um programa para fundamentar o discurso.
Infelizmente, há muitos exemplos de empresas que possuem taxa de acidente com afastamento bastante baixa ou zero, mas convivem com fatalidades anualmente.
É uma situação comum, apesar de trágica: organizações com reduzidas taxas de acidentes e sistemas de gestão robustos desorientadas pelos casos de empregados que morreram trabalhando.
Os empregados não sofrem acidentes, mas arriscam a vida. Faz sentido?
Para entender essa situação é preciso entender um pouco de conceitos estatísticos. E o mais básico deles é o seguinte: estatística de acidentes fala de “número de acidentes” e não da “data do acidente”.
A pirâmide de Bird define que ao dedicar esforços para identificar e resolver riscos e comportamentos localizados na base estamos, na realidade, prevenindo acidentes graves e fatalidades, ou seja, aqueles acidentes do topo da pirâmide. Isso não é completamente verdade, pois a pirâmide não fala “quando” o acidente fatal acontecerá: pode ser amanhã ou enquanto você está lendo essas palavras ou daqui 10 anos.
A Pirâmide de Bird não é uma bola de cristal para adivinhar acidentes.
A pirâmide de Bird é uma proporção estatística e não uma relação de causa e efeito.
Além disso, um contexto que intriga e faz com que gestores percam muito tempo pensando em estratégias de atuação e mitigação de riscos é o fato de muitas fatalidades ocorrerem em situações conhecidas e controladas, em atividades de rotina e estarem relacionadas com riscos conhecidos, trabalhados, melhorados e controlados.
Se eu trabalhar na base da pirâmide, impedirei os acidentes graves, correto?!
Pela conhecida teoria do queijo suíço, sabemos que diversas causas concorrem e contribuem para a ocorrência do acidente, ou seja, não há uma causa única. As causas determinam a ocorrência do acidente e não, necessariamente, a gravidade do evento. Logo, a ocorrência da fatalidade não tem relação com um tipo de causa específica.
Se não sabemos quais causas estão relacionadas com uma fatalidade, como prevenir?
O foco não deve ser a causa, mas o processo. Quando trabalhamos na causa, trabalhamos com a probabilidade da causa gerar um efeito e para a prevenção e fatalidade, a contribuição da probabilidade não importa, pois a consequência é irreversível.
Risco é relativo: perspectiva humana.
Risco é absoluto: perspectiva de engenharia.
Se você entrar num mar de tubarões há uma probabilidade grande de você não ser a refeição do dia, afinal carne humana não faz parte do cardápio desses peixes e eles podem já estar alimentados. Ainda assim, não é inteligente assumir o risco de nadar, apesar de algumas pessoas se arriscarem para tirar selfies no Instagram.
A prevenção das fatalidades deve ser tratada por uma equipe multidisciplinar reunida em um comitê específico dedicado ao tema.
Um dos focos de atenção são aqueles acidentes com risco potencial de fatalidade, ou seja, por mais leve que tenha sido a consequência, um detalhe menor e imprevisível impediu a ocorrência da fatalidade.
Qual o processo para gestão do risco de fatalidades?
Com um processo de identificação, avaliação e análise, as atividades de alto risco serão elencadas. Cada risco deve ser desmontado em diversas partes e detalhados no formato de um protocolo de checagem. Cada equipamento e ferramenta incluída nessas atividades devem fazer parte do protocolo de acordo com um padrão de operação e uso. Normas e padrões para essas atividades devem ser estabelecidos como um requisito mínimo a ser atendido.
Com o protocolo pronto, ele deve ser testado através de uma auditoria em campo.
É claro que a aderência integral a esses protocolos não se alcança de imediato, é necessário um planejamento de investimentos, treinamentos e indicadores de evolução.
Nesse momento de auditoria dos protocolos, dizer que existem fatores humanos relacionados às causas das fatalidades é tão útil quanto dizer que a causa de uma queda é a força da gravidade. É uma verdade absoluta, mas não contribuirá para o processo de prevenção.
Os 3 pilares dos protocolos de checagem do risco de fatalidade.
Em geral, os protocolos de checagem dos riscos de fatalidades estão subdivididos em três pilares:
1. Pessoas (treinamentos e saúde);
2. Equipamentos, ferramentas e infraestrutura;
3. Procedimentos e regras.
Para cada risco de fatalidade, os protocolos de checagem devem cobrir itens relacionados a cada um desses pilares.
Organizações sérias que já trabalham com protocolos de prevenção de fatalidade, incluíram em seus programas riscos associados à veículos industriais, espaço confinado, trabalho em altura, transporte e içamento de cargas, trabalho em altura, bloqueio e etiquetagem de energias perigosas, dentre outros riscos.
Só a liderança. E sempre a liderança.
Um dos pontos essenciais e, talvez o mais importante: o esforço para prevenção de fatalidades é exclusivo da liderança sênior da organização.
A preocupação genuína com a vida dos empregados será refletida pelas ações tomadas pelo de comitê de prevenção de fatalidades formado por gestores e líderes. Para transformar os valores da organização é preciso que esse comitê vivencie os valores, sinceramente.
Antes da organização se transformar, ela precisa ser o que ela quer ver nos seus empregados.
A prevenção de fatalidades é o caminho.
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